De milhares de modalidades esportivas que um ser humano pode praticar, apenas um grupo seleto delas poderá atingir o status de modalidade olímpica. Os esportes chamados olímpicos, que são disputados nos Jogos Olímpicos de Verão e nos Jogos Olímpicos de Inverno devem ser representados no Comitê Olímpico Internacional - COI, por um órgão regulador internacional, denominado federação internacional de esportes - FI ou algo semelhante. Mas isso não é tudo... Para atingir esse nível é necessário percorrer um longo caminho, muitas vezes difícil. Todavia chegar ao topo tem suas benesses. Os Jogos Olímpicos tem o poder de projetar a modalidade independentemente de cultura, continente ou faixa etária, atingindo audiências televisivas globais recordes. Talvez o melhor indicador do crescente apelo global dos Jogos tem sido a sua audiência mundial, citamos como exemplo a Cerimônia de Abertura de Pequim'2008, que atraiu mais de 1,5 bilhão de espectadores, se consagrando à época o evento ao vivo mais assistido na história da humanidade, superando até as audiências recordes da chegada do homem à Lua.

Mas as grandes atrações dos Jogos são os atletas e, por conseguinte as modalidades que representam.

"Desde Tóquio'2020, e seguindo as recomendações da Agenda Olímpica 2020, o comitê organizador relevante de cada edição dos Jogos Olímpicos - OCOG também pode propor um ou mais eventos adicionais para inclusão nessa edição específica dos Jogos Olímpicos. Após acordo entre o OCOG, a FI relevante e o COI, o programa desportivo poderá ser posteriormente alterado pela Sessão para incluir os desportos adicionais para essa edição dos Jogos, que ocorrerá o mais tardar três anos antes da abertura dos Jogos Olímpicos relevantes.(1)"

Todavia, que tipo de modalidades esportivas serão aceitas? Segundo o COI "Apenas os desportos que cumpram a Carta Olímpica, o Código Mundial Antidopagem e o Código do Movimento Olímpico sobre a Prevenção da Manipulação da Competição são elegíveis para participar no programa. (2)" E o COI tem dispositivos para medir o atendimento a estas premissas.

A boa notícia para as novas modalidades é de que os Jogos não são mais resultado apenas das grandes disciplinas como corrida, natação e ginástica, até porque "as modalidades tradicionais parecem que já não conseguem ocupar o mesmo espaço que ocupavam na mídia, e nem atraem a mesma atenção que atraiam para o público jovem. (3)" Mas isso não é uma novidade. Voltando aos primórdios, em 1894, o criador das olimpíadas modernas, o Barão Pierre de Coubertin tentou realizar provas relativamente incomuns, dependendo do viés, como “caçada”, "escalada” (retornando em 2020) e “aviação”. E neste ponto se desenha outro cenário: Em função das peculiaridades de certas modalidades, será que elas estarão dispostas a cooperar com as normativas do COI?

"Durante a realização do IX Congresso Brasileiro de Atividade de Aventura em 2016, foi bastante debatido pelos palestrantes até que ponto valeria a pena a 'esportivização' destas práticas, que as fariam perder sua essência em detrimento da manifestação tradicional do esporte." (3)

Em meio a esta polêmica os dirigentes do movimento olímpico estão caminhando para uma nova era. O COI tem sido o órgão responsável por decidir quais desportos permanecem, saem ou são adicionados aos Jogos todos os anos, mas desde 2020 nem todo o poder está apenas nas mãos do COI, já que o país anfitrião dos Jogos Olímpicos também pode desempenhar um papel na decisão dos desportos que podem ser incluídos no seu país de origem (4). As Agendas 2020 e 2020+5 (referenciadas na nossa próxima seção) estão desenhando o novo olimpismo, que busca entender o contexto sociocultural que fundamenta e legitima a ressignificação do programa olímpico (3).

Para entender as tratativas que envolvem a introdução de novas modalidades aos jogos olímpicos e o estado recente do olimpismo, apresentamos uma revisão narrativa integrativa abordando publicações informativas e comunicados ou discursos oficiais, além de estudos originais através de pesquisa nos diretórios acadêmicos. Tomamos como guiões do estudo os documentos publicados pelo COI a Agenda 2020 (5) e a Agenda 2020+5 (6). Vamos descrever o estado do impacto das Agendas nas modalidades esportivas sejam elas novas, renovadas ou reintegradas e fornecer informações abrangentes de maneira rigorosa acerca das influências destas novas diretivas do esporte olímpico.

Entendendo o exposto em nossa introdução quando ponderamos que a inovação tem sido uma constante no movimento olímpico, vamos tratar da mais recente reviravolta olímpica que vem reiterar uma série de valores presentes no olimpismo da era moderna e direcionar seus atores para a execução de uma agenda comprometida em salvaguardar estes valores e reforçar o papel do desporto na sociedade. Pode-se dizer que este novo olimpismo teve seu início nos jogos de Tóquio com a pandemia de Covid-19, mas sua gestação oficial data de 2014, quando a "Agenda Olímpica" foi acordada por unanimidade na 127ª Sessão do COI - Comitê Olímpico Internacional em Mônaco, nos dias 8 e 9 de dezembro daquele ano. A Agenda Olímpica (5) foi formada inicialmente por um conjunto de 40 recomendações detalhadas cujo objetivo global seria de preservar os chamados valores olímpicos e fortalecer o papel do esporte em todo o mundo. Na ocasião do lançamento, o presidente do COI, Thomas Bach lembrou Nelson Mandela: "O esporte tem o poder de mudar o mundo". Estas 40 recomendações inter-relacionadas, foram identificadas e compiladas através de um processo colaborativo e consultivo envolvendo partes interessadas do Movimento Olímpico e participantes externos (desde fevereiro de 2014, o COI recebeu 1.200 ideias geradas por 270 contribuições e 43.500 e-mails de diversas partes interessadas do Movimento Olímpico, bem como de diversas organizações e indivíduos da sociedade civil; acadêmicos, ONGs, empresas, etc.).

Naturalmente um documento dessa envergadura (o "OLYMPIC AGENDA 2020") (7) tem o poder de influenciar o esporte como um todo; mas até que ponto cada modalidade presente no rol de atividades consideradas olímpicas tem renovado a cena desportiva mundial?

Nas últimas edições das olimpíadas, mesmo durante a pandemia, as notícias sobre o ingresso de novos esportes nos Jogos tem recheado as páginas dos noticiários. Nunca na história das olimpíadas modernas o apelo das modalidades foi tão grande. O caratê, a escalada esportiva e o skate agora têm seus primeiros campeões olímpicos, enquanto o softbol e o beisebol já haviam sido reintegrados aos Jogos desde Beijing'2008 (8). Skate, escalada, surf e o estreante breaking foram quatro esportes não tradicionais que cativaram público nos Jogos de Paris (9). E cinco novos esportes chegam a Los Angeles'2028, incluindo beisebol/softbol, lacrosse e críquete retornando ao programa olímpico, e flag football e squash fazendo sua estreia olímpica (10).

Cresceu a curiosidade do público sobre o número de modalidades diferentes, suas características e acerca do porque umas são selecionadas e outras não. Mas tudo isso estava previsto no citado acima documento do COI e na sua atualização a Agenda 2020+5 (6). Se por um lado a Agenda Olímpica está abrindo para novas possibilidades, por outro o olimpismo há algum tempo vem sendo "encostado na parede". Governos envolvidos no movimento olímpico enfrentam riscos consideráveis e diminui o entusiasmo em investir nas agendas olímpicas, que tradicionalmente envolvem milhares de milhões de dólares, e múltiplas demandas para os países anfitriões (11). Independente de todo esse conjunto de questões mais abrangentes vamos continuar focando no ponto nevrálgico que engloba atletas e eventos, ou seja, as modalidades.

Para entender a relevância das modalidades numa olimpíada, precisamos entender o que é o esporte olímpico.

O COI hierarquiza os esportes olímpicos como disciplinas filiadas a federações, confederações ou outro órgão diretivo com representação oficial e reconhecimento no país de origem. Estas disciplinas participam de eventos, que são competições que entregam medalhas aos participantes, os atletas. Popularmente vamos chamar as disciplinas de modalidades esportivas e os eventos de provas esportivas. As modalidades elegíveis para inclusão no programa olímpico são apenas aquelas regidas pelos órgãos diretivos internacionais reconhecidos, conforme estabelecido nos Estatutos 1.3.2 e 1.4.2 da Regra 45 da Carta Olímpica (12). A oportunidade de propor esportes adicionais ao programa fica a critério do respectivo Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e está sujeita à decisão final da Sessão do COI. Apesar do lançamento de novas Agendas que influem na escolha das modalidades para cada edição dos Jogos, o número delas continua limitado por regras que estipulam outras limitações, quais sejam de atletas e provas esportivas. De acordo com o Estatuto 3.2 da Regra 45 da Carta Olímpica (12), os Jogos Olímpicos de Verão devem ser limitados aproximadamente a 10.500 atletas, 5.000 treinadores e pessoal de apoio e 310 provas pertinentes a todas as modalidades participantes, enquanto os Jogos Olímpicos de Inverno devem ser limitados a cerca de 2.900 atletas, 2.000 treinadores e pessoal de apoio e 100 provas pertinentes a todas as modalidades participantes; isto se não houver acordo em contrário pelo OCOG. O número de modalidades tem variado de uma olimpíada para a outra, por exemplo, oito dos 32 esportes dos jogos de Paris'2024 consistem em múltiplas disciplinas, resultando em mais de 70 modalidades esportivas naquela olimpíada. Se formos considerar todas as modalidades que já estiveram presentes nos Jogos, a lista ultrapassa 80 (Tabela).

---

Tabela. Esportes olímpicos por frequência (em 2024) (13,14).

---

Uma vez que a ascensão da modalidade a categoria olímpica ajuda a melhorar o status da mesma e considerando que a agenda olímpica exerce importante papel nesta transição, é possível que esta agenda esteja determinando a evolução de determinadas modalidades esportivas no contexto histórico dentro e fora do movimento olímpico.

"Os dirigentes são responsáveis por decidir quais esportes permanecerão, sairão ou serão adicionados aos Jogos Olímpicos todos os anos. Cabe ao Conselho Executivo do COI propor novos esportes, nos quais o restante do COI vota a favor ou contra. O COI também é responsável por decidir quais critérios devem ser atendidos para que um esporte ocupe seu lugar no prestigioso evento." (4)

Tomando como exemplo Los Angeles'2028, as premissas para a inclusão de 5 modalidades no programa foram ampliar o alcance internacional das modalidades, ou seja a difusão destes esportes em novos países e regiões; o envolvimento de amplas camadas sociais associados às modalidades; o aumento do interesse pela história destes esportes; e, finalmente, o aumento da popularidade do movimento olímpico no mundo (15). A forma legal como estes esportes chegaram lá e outros também podem chegar, é a seguinte: 1º) O conselho consultivo do COI propõe a nova modalidade numa Sessão do COI (elas ocorrem de 7 em 7 anos); 2º) A Agenda Olímpica concede a cidade-sede influência para propor novos esportes para inclusão no Programa Olímpico; 3º) Mediante acordo entre o Comitê Organizador relevante, a FI relevante e o COI, o programa poderá ser alterado por decisão da Sessão, o mais tardar três anos antes da abertura dos Jogos Olímpicos pertinentes.

Assim, as novas modalidades são um dos temas de grande relevância na Agenda Olímpica, este corpo de recomendações que visa manter o Movimento Olímpico atualizado com as tendências do mundo atual. Entre as principais discussões do documento estão a viabilidade financeira dos Jogos Olímpicos e o interesse dos jovens pelo evento. E é aqui que entram as novas modalidades: um dos pontos destaca o incentivo à prática de esportes eletrônicos (eSports) e outro destaca a inclusão de esportes jovens como surfe, skate, escalada e outros, ao programa olímpico (16).

Vamos tratar exclusivamente das recomendações das agendas que afetam diretamente as modalidades. As 40 + 15 recomendações separadas mas inter-relacionadas das Agendas 2020 e 2020+5 (Apêndice), foram identificadas e compiladas através de um processo colaborativo e consultivo motivados pelo reconhecimento de que o mundo está evoluindo rapidamente e que o Movimento Olímpico deve aproveitar a oportunidade para ser um agente de mudança (5). A seguir vamos separar os itens da agenda que endereçam especificamente às modalidades.

Vamos começar pela recomendação número 6, que diz: "Cooperar estreitamente com outros organizadores de eventos esportivos" . Aqui se destaca a cooperação com os Jogos Mundiais, eventos que muitas vezes apresentam esportes e disciplinas que não estão no programa olímpico. A recomendação do COI aqui é de que novas disciplinas e eventos podem ser avaliados pelos dirigentes do esporte olímpico, minuciosamente durante estes certames.

A recomendação 8, também interessa às novas modalidades pois dita o seguinte: "Fortalecer relacionamentos com ligas profissionais". Na sequência a recomendação 9 pode ser perigosa para o incremento de novos esportes, pois é limitante: "Definir uma estrutura para o programa olímpico". A estrutura deve prever aproximadamente: 10.500 atletas; 5.000 treinadores credenciados e pessoal de apoio aos atletas e 310 eventos.

A recomendação 10 colabora com o advento de novas modalidades, mas de forma controlada: "Mudar de um programa baseado em esportes para um programa baseado em eventos". A característica e custo dos eventos podem restringir a entrada de novas modalidades. Os eventos propostos pela cidade-sede teriam que atender aos critérios para eventos incluídos no programa olímpico, como representatividade internacional, regulamentos antidoping, participação dos melhores atletas, etc. Além do processo tradicional de revisão dos esportes selecionados para possível inclusão, o Departamento de Esportes do COI terá que conduzir um processo de revisão separado para os eventos propostos pela cidade anfitriã.

A recomendação 19, não afeta diretamente o ingresso de novas modalidades, mas sua manutenção, indiretamente: "Lançar um canal olímpico". A divulgação do esporte reforça as próprias modalidades dentro do movimento olímpico retroalimentando-as.

Outra recomendação indireta sugere: "Fortalecer a capacidade do COI de advogar pelo esporte" (recomendação 21). Considerando os indicadores preocupantes relativos ao sedentarismo no mundo e a diminuição da educação física nos currículos escolares, é bastante oportuno para o COI defender um maior investimento no esporte e na atividade física, e aqui vale qualquer modalidade, pois estamos tratando dos alicerces da prática desportiva e da competição de alto rendimento, que em última instância sustentam o avanço do Movimento Olímpico.

Deste ponto saltamos para a Agenda 2020+5, com a avaliação da pertinência do nosso objeto de estudo a estas outras 15 recomendações do COI.

Vamos iniciar pela recomendação de número 4 da Agenda 2020+5, "continuar atraindo os melhores atletas". A sugestão é continuidade do trabalho do COI de promover os melhores atletas, mas com o envolvimento com entidades diretivas locais, como federações, confederações ligas profissionais e outros organizadores de eventos esportivos, estreitando o contato com as modalidades.

Em seguida, a recomendação 9 preconiza: " Incentivar o desenvolvimento de esportes virtuais e interagir ainda mais com comunidades de videogame", O COI clama literalmente por novas modalidades: "Considerar a adição de esportes virtuais físicos no Programa Olímpico em cooperação com os respectivos FIs". E alerta que é preciso "notar a diferença entre as duas formas de desporto virtual e, por outro lado, os videojogos." Existem formas físicas (como o ciclismo) e não físicas de esportes virtuais (como o futebol), enquanto os videogames incluem jogos competitivos (como League of Legends) e jogos casuais (como Super Mario). Este é o último ponto de destaque da nossa discussão, e que trata de um assunto bastante polêmico, mas que diz respeito ao ingresso de muitas novas modalidades com características muito singulares, como, por exemplo, os espectadores de eSports, as chances de os eSports serem uma disciplina desportiva olímpica (ou seja, um corpo de modalidades), a conexão entre as equipes de League of Legend e as corporações proprietárias, a ergonomia nos eSports, a questão de saúde dos jogadores, entre outros temas controversos (17).

Podemos, a partir desta revisão, vislumbrar com clareza o caminho que uma modalidade deve percorrer para conquistar o status olímpico. Para aceder ao olimpismo como modalidade, o esporte deve ter sido selecionado na Sessão do COI dentre os esportes regidos pelas federações internacionais reconhecidas pelo órgão, que verificará o cumprimento da Carta Olímpica, do Código Mundial Antidopagem e do Código do Movimento Olímpico sobre a Prevenção da Manipulação da Competição. Entretanto, para chegar a uma votação pela Sessão do COI, as modalidades contam desde 2020 com a ajuda das agendas olímpicas.

As novas modalidades que pretenderem alcançar o status olímpico deverão, segundo as Agendas 2020 e 2020+5, aumentar sua participação em campeonatos mundiais e se tornarem visíveis para os dirigentes dos comitês olímpicos e ao mesmo tempo entender que competirão com outras modalidades interessadas por um número restrito de vagas, ou seja, eventos (cerca de 300) e atletas (cerca de dez mil), com muita atenção ao número de eventos, que será o foco dominante do COI. Mas, além de aparecer para os dirigentes, as novas modalidades também deverão buscar popularidade, seja na grande mídia, seja nos canais olímpicos pertinentes. Ainda com base nas recomendações das Agendas será importante buscar participação nos movimentos sociais e educacionais, destacando seu valor dentro do esporte como um todo; inclusive com a promoção de símbolos, "heróis", "superatletas" que representem a modalidade nos grupos locais.

Resumindo, não é qualquer modalidade, que conseguirá chegar ao topo. É preciso ter história, tradição, alguma universalidade, bastante popularidade, imagem "positiva" no meio social, atletas excepcionais; e uma federação internacional devidamente regulamentada que rege o esporte e os custos de exploração do mesmo (18).