Editorial - Doping nos esportes, uma atualização em ano olímpico


Doping nos esportes, uma atualização em ano olímpico

Nota do Editor: Imagem meramente ilustrativa. Fonte: Image by freepik


Doping nos esportes, uma atualização em ano olímpico (a)

Jair Rodrigues Garcia Júnior Curso de Educação Física, Universidade do Oeste Paulista, Brasil

Palavras-chave: Dopagem esportiva, antidopagem, medicina do esporte, substância ergogênica, dopantes

ARK
— Identificador persistente da Edição 2024 OLYMPIKA MAGAZINE - VOLUME 2 ONLINE - Nº. 002: https://n2t.net/ark:/40019/oly.v2i2
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RESUMO

Os recursos ergogênicos estão diretamente relacionados ao desempenho esportivo. Desde os calçados, equipamentos, suplementos nutricionais até os medicamentos e métodos proibidos que melhoram artificialmente o desempenho. Parte da população acredita que todos, ou a maioria, dos atletas medalhistas olímpicos e recordistas mundiais usem substâncias dopantes. Verdadeiramente há um contingente de atletas, inclusive muitos que ficam bem distantes dos pódios nas competições, que usam. No entanto, a Agência Mundial Antidoping (WADA) junto com as federações esportivas realizam o controle e acompanhamento dos principais atletas nas competições e durante o período de treinamento, permitindo pouca margem para prática ilícita e antiética. As substâncias dopantes causam males à saúde e ao espírito esportivo, por isso a educação e conscientização de treinadores e atletas, principalmente os mais jovens, deve ser continua, recorrente e perseverante.

INTRODUÇÃO

Empenho é a palavra que pode definir a busca do atleta por uma vaga olímpica e, estando nos jogos, também a busca pela vitória, medalha dourada, quebra de recorde e consagração. Treinamento bem programado, periodizado e exaustivo, dieta planejada e disciplinada, pausas e sono para recuperação, e agentes ergogênicos. Entre estes estão os equipamentos mais avançados, suplementos nutricionais, acompanhamento psicológico, treinamento em altitude e, infelizmente, as drogas e procedimentos classificados como doping.

Vitórias e recordes nas provas dos 100m livres da natação, nos 100m e 1500m do atletismo, no snatch e clean and jerk do levantamento de peso olímpico, na prova de velocidade do ciclismo, do remo categoria Dois Sem (M2-) e várias outras, trazem reconhecimento, visibilidade, fama, contratos publicitários, ganhos financeiros, entre outros, como compensações pelos muitos anos de treinamento e dedicação. As motivações intrínsecas e extrínsecas fazem com que muitos atletas concentrem-se em suas carreiras esportivas, melhorem seu treinamento, nutrição, suplementação, utilizem todos os tipos de recursos ergogênicos ao alcance (1). Vários deles, não satisfeitos com os ergogênicos permitidos, também se aventuram no uso dos recursos ilegais (medicamentos, manipulação de sangue) e antiéticos, desviando da integridade, que deveria ser um valor prioritário para os atletas.

O doping pode ser definido como o uso de substâncias ou métodos para melhorar o desempenho físico de maneira artificial e ilegal, violando a ética e causando danos à saúde (2). Os agentes e métodos presentes na lista de doping da Agência Mundial Antidoping (WADA) atendem a três critérios:(a) melhoram o desempenho de forma artificial, (b) representam riscos à saúde e (c) violam o espírito esportivo da competição honesta e justa (3). O doping é a antítese do espírito esportivo, com suas qualidades de dedicação, entusiasmo, saúde, honestidade, respeito aos valores e outros competidores e fair play. O uso de doping por atletas profissionais é um péssimo exemplo para os atletas amadores e praticantes comuns, principalmente os mais jovens, que são mais facilmente seduzidos a fazer o mesmo que seus ídolos.


Doping nos esportes, uma atualização em ano olímpico

Figura. Diferenças entre o atleta dopado e o atleta natural.


NATURAL X DOPADO

É comum que treinadores e atletas "naturais", que realmente se empenham, respeitam as regras e têm um espírito esportivo, fiquem indignados com os treinadores e atletas sem escrúpulos que violam a ética. Eventualmente a indignação se converte em comentários nos bastidores do esporte competitivo. Em uma ocasião, o treinador americano Joe Goeken, que acompanhou o nadador Gustavo Borges, um exemplo de atleta com comportamento ético, mencionou a disseminação do doping na natação. O fato é que muitos atletas profissionais sem escrúpulos, usam as drogas tendo plena consciência de que as substâncias e métodos de doping evoluem mais rápido do que os meios de detecção e controle, o que os leva a ter vantagem competitiva por uma ou mais temporadas (4).

A Agência Mundial Antidoping (WADA), em colaboração com federações esportivas internacionais, empreendem um esforço contínuo e incansável para controlar e garantir a devida punição a atletas antiéticos (5). Na "competição" entre atletas dopados e instituições de controle, existem casos muito curiosos, como um ocorrido nos Jogos Pan-Americanos em Winnipeg em 1999. Na ocasião, nada menos do que 100 nadadores do mesmo país declararam que eram asmáticos para que pudessem usar um medicamento broncodilatador, cujo efeito estimulante (Tabela 1, classe S3) é potencialmente benéfico para o desempenho (6).

Nos anos 1980, os casos de doping eram comuns em equipes da União Soviética (atual Rússia), Alemanha Oriental (atual Alemanha) e outros alinhados. Já nos anos 2000, casos envolvendo nadadores, principalmente, chineses e australianos tiveram destaque negativo no mundo esportivo. Nos dois últimos ciclos olímpicos houve casos com nadadores velocistas franceses e atletas de pista e campo russos, resultando em escândalo esportivo internacional. Os diversos casos de doping constatados resultaram em procedimentos adotados por ligas e federações, como suspensão de atletas e treinadores por períodos de 1 a 8 anos, ou até mesmo o banimento do esporte.

Infelizmente, esportes competitivos não são exemplos de ética. Atletas que estabelecem recordes nacionais e mundiais e testam positivo para substâncias de dopagem acabam sendo mais conhecidos pelo crime do que pelo desempenho. No atletismo, 9 dos 10 corredores mais rápidos de 100m de todos os tempos foram pegos em doping e suspensos. Um dos mais famosos escândalos de doping foi do ciclista americano, sete vezes campeão do Tour de France, que se mostrou uma grande farsa. Na natação, existem alguns casos famosos, como um nadador especialista em 100m borboleta e outro especialista em 50 e 100m crawl, que foram ambos banidos pela FINA (7). O primeiro usava o esteroide anabólico androgênico estanozolol (Tabela, classe S1), tentou mascarar o resultado e depois se recusou a fazer o teste novamente para dopagem em outra competição. O segundo também testou positivo para esteroides anabolizantes androgênicos em duas competições em anos consecutivos.

Atletas pegos em doping são bastante criativos (às vezes bem aconselhados por advogados) em suas alegações de defesa. Eles declaram que tomaram suplemento nutricional sem saber que continha substâncias proibidas ou que o suplemento estava contaminado com esteroide anabolizante, estimulante, diurético etc (8). É uma situação inusitada (ou pouco provável), considerando que suplementos e medicamentos são manipulados e preparados em condições muito bem controladas e por empresas diferentes ou, pelo menos, locais diferentes. Além disso, a segregação da manipulação de produtos, principalmente fármacos é exigida e tem comprovação por meio de certificações nacionais e internacionais de boas práticas apresentadas pelas farmácias e empresas.

Estudos apontam a possibilidade de haver contaminação em suplementos. Revisão de Costa et al. (9) apontou a contaminação em 6,4% a 8,8% dos suplementos e estudo de Kozhuharov et al. (10) que avaliou 3132 produtos de diferentes origens encontrou contaminação em 28% deles, aparecendo com maior frequência a sibutramina e esteroides anabólicos androgênicos. Porém, uma prática de alguns atletas era retificar a lista de produtos/suplementos consumidos, posteriormente ao teste de doping positivo. Estes novos suplementos eram então entregues, sem lacre, à autoridade de controle de doping com a sugestão de que poderiam estar contaminados com a substância detectada no teste de doping do atleta. No teste realizado pelo laboratório no produto era realmente detectada uma substância que não constava no rótulo, indicando contaminação. Apesar da contaminação ser factível, apesar de pouco provável, a entrega de um produto sem lacre, portanto, passível de adulteração, era suspeita. Adicionalmente, o julgamento do caso não permitia inclusão de informações da própria empresa de origem do suplemento, que poderia apresentar fatos contradizendo a contaminação. Atualmente, em casos de alegação de contaminação, a WADA e também a Autoridade Brasileira de Controle Antidoping permitem apenas a entrega de produtos lacrados e de mesmo lote daqueles listados e consumidos pelo atleta (8).

Já os fármacos estimulantes e agonistas Beta-2, como sulbutamol, terbutaline, salmeterol e outros, podem ser utilizados sob a forma de aerosol e especificamente para prevenção e tratamento de asma e asma induzida pelo exercício, porém o atleta que utiliza esse tipo de fármaco deve ter realizado uma espirometria e possuir uma carta médica para caracterizar a presença dessa complicação respiratória, caso contrário é considerado doping e o atleta é desclassificado (11). No caso de doenças, o medicamento usado não pode implicar em benefícios de ganho de desempenho, mas apenas corrigir a condição provocada pela doença para permitir a competição em igualdade de condições. Neste caso, o atleta deve solicitar uma Autorização para Uso Terapêutico (AUT) de substâncias restritas ou proibidas, para que possa competir durante o tratamento da doença e justificar eventual teste positivo de doping. É necessária documentação médica atestando a necessidade do medicamento e descrição da dosagem, frequência, via e duração da administração. Também deve comprovar que: (a) a saúde seria piorada sem o medicamente, (b) não haverá ganho extra e o desempenho não será potencializado, e (c) o medicamento é a melhor opção de tratamento ou que não existem alternativas (12).

A possibilidade de uso de medicamentos com a Autorização para Uso Terapêutico é utilizada por alguns atletas para obtenção de vantagem. Há atletas que afirmam ter consumido medicamento para dor de cabeça e se defendem como vítimas de erro médico. Concordemos que atletas são profissionais e também orientados profissionalmente, inclusive para expor inverdades que não enganam outros atletas e profissionais com mínimo de conhecimento e bom senso. Por outro lado, alguns admitem a transgressão, cumprem a suspensão, continuam treinando e retornam, enquanto outros simplesmente se aposentam e deixam os holofotes e a mídia.

A utilização indevida de esteroides anabólicos androgênicos, outros hormônios e medicamentos se disseminou também entre praticantes não competidores de treinamentos e esportes, principalmente para fins estéticos. O Conselho Federal de Medicina, sociedades e associações têm se manifestado contrariamente à prescrição destes medicamentos sob a justificativa de terapia de reposição hormonal (TRH) ou modulação hormonal, sem que haja alterações clínicas ou sorológicas que indiquem a necessidade estritamente terapêutica. Os efeitos colaterais, relatados já há décadas na literatura, têm se manifestado nestes usuários, alguns com sérias implicações para saúde (13-15).

AGENTES E MÉTODOS DE DOPING

As principais classes de agentes e métodos de doping utilizados nos esportes são: (S1) esteroides anabólicos androgênicos (EAA), (S2) hormônios peptídicos e fatores de crescimento, (S3) agonistas Beta-2, (S4) moduladores hormonais e metabólicos, (S5) diuréticos e agentes de mascaramento, (S6) estimulantes, (M1) manipulação de sangue e dos componentes, (M2) manipulação química e física e (M3) manipulação genética (Tabela).


Classes

Agentes e métodos de doping *

Efeitos buscados **

S1. Esteroides anabólicos androgênicos (EAA)

 

Androstenediona, deidroepiandrosterona (DHEA), estanozolol, nandrolona, testosterona.

Aumento da massa muscular e força (principalmente). Importante para atletas velocistas e de força. Aumento do hematócrito.

S2. Hormônios peptídeos e fatores de crescimento

 

Insulina, eritropoetina (EPO), gonadotrofina coriônica humana (HCG), hormônio do crescimento (GH), fator de crescimento semelhante à insulin (IGF-1), ativador contínuo do receptor de eritropoiese (CERA).

EPO e CERA aumentam hemácias e capacidade aeróbica. HCG estimula as glândulas sexuais. Os demais têm efeito anabólico.

S3. Agonistas Beta-2

Fenoterol, higenamina, salbutamol, terbutalina, vilanterol.

Efeitos broncodilatador e vasopressor que aumentam a capacidade respiratória e o desempenho.

S4. Moduladores hormonais e metabólicos

 

Inibidores da aromatase, moduladores seletivos de receptores de estrogênios (SERMs), tamoxifeno, inibidores da miostatina, moduladores seletivos de receptores de androgênios (SARMs), 5-aminoimidazole-4-carboxamida ribonucleotídeo (AICAR).

Diminuem a converção de EAA em estrogênios, inibem receptores de estrogênios, aumentam a massa muscular e aceleram o metabolismo.

S5. Diuréticos e agentes de mascaramento

 

Espironolactona, furosemida, hidroclorotiazida, expansores do plasma (gliceral, albumina).

Aumentam a eliminação de urina para “perda de peso” ou para diluir, acelerar a eliminação e mascarar outros medicamentos.

S6. Estimulantes

Anfepramona, anfetamina, femproporex, efedrina, sibutramina.

Aumentam o estado de alerta, melhora o tempo de reação, diminui fadiga e dor.

M1. Manipulação sanguínea e dos componentes

Infusão ou reinfusão de sangue, hemácias ou substitutos do sangue.

Aumentam o hematócrito, volume de sangue e a capacidade aeróbica.

M2. Manipulação química e física

 

Infusão de urina, injeção de fluido intravenoso, proteases, carregadores de O2 baseados na hemoglobina (HBOCs).

Aumentam o volume de sangue, diluem e mascaram medicamentos. Degradam metabolitos de medicamentos na urina. Os HBOCs aumentam o transporte de O2.

M3. Manipulação genética

Transferência de ácidos nuclêicos ou células modificadas.

Aumentam ou diminuem a síntese de proteínas específicas relacionadas ao desempenho.

Tabela. Classes, agentes e métodos de doping, e os potenciais efeitos benéficos buscados pelos atletas.
Fonte: Tokish et al. (16) e www.wada-ama.org. * Mais comumente usados, ** Veja efeitos prejudiciais no texto.


O desenvolvimento contínuo da biotecnologia trás ótimas perspectivas para saúde, mas também permite antecipar o futuro do doping com o uso do alfabeto genômico. Nessa área, a perspectiva é a manipulação de genes, células e as características de músculos, sangue e outros tecidos ou órgãos, permitindo aumentar a massa muscular, o transporte e a utilização do O2, o desempenho, diminuir a sensação de fadiga, de estresse e dor, melhorar a recuperação (3,17). O método de edição de genes CRISPR (Clustered regularly interspaced palindromic repeats) pode ser utilizado para a manipulação gênica e melhora do desempenho. Mas, por enquanto, existem muitas incertezas e problemas previsíveis, como efeitos apenas transitórios, respostas imunológicas, endocrinológicas e metabólicas inesperadas e efeitos adversos de vetores virais, que são os transportadores dos genes modificados (18-21).

Não será surpresa se, em edições futuras dos Jogos Olímpicos, tivermos medalhistas mutantes com DNA alterado. Certamente, a WADA, as ligas e as federações estarão atentas para detectar e desencorajar tais práticas, com a principal intenção de proteger os atletas e evitar que tais métodos sejam disseminados. No controle dos métodos atualmente utilizados pelos atletas, a WADA realizou, em 2022, testes de sangue e urina em 256.769 atletas, sendo 218.774 de esportes olímpicos e 37.995 de esportes não olímpicos. Os resultados positivos foram 1.538 (0,7%) para atletas de esportes olímpicos e 842 (2,22%) para atletas de esportes não olímpicos (22).

CONTROLE ANTIDOPING

O controle antidoping existe desde 1964 e evoluiu com novos equipamentos e métodos de análise, sempre acompanhando de perto o desenvolvimento de métodos de doping. A WADA tem a responsabilidade de redigir e atualizar periodicamente o Código que regula o comportamento e indica agentes e métodos proibidos para atletas (22). Há críticas constantes sobre o fato dos métodos de detecção estarem sempre um passo atrás dos novos agentes usados pelos atletas, mas também é fato que, ao menos na maioria das vezes, a WADA não pode antecipar o que será usado.

Até o início dos anos 1990, a urina era o único material analisado. Então, também passou a ser coletado e analisado sangue, permitindo a detecção de hormônios peptídicos. Os melhores atletas também passaram a ser testados durante os treinamentos, e não apenas durante as competições. Os testes programados ou realizados de surpresa foram uma estratégia lógica, uma vez que os atletas usam doping na preparação e fazem uma programação para "limpar" o corpo no período anterior à competição (23).

A última e eficaz estratégia implementada, em 2013, foi o Passaporte Biológico do Atleta. Este consiste em um registro dos testes de cada atleta, realizados durante treinamentos e competições, permitindo traçar o perfil sanguíneo e os resultados dos testes. Quando são verificadas alterações no perfil, são realizados testes específicos para confirmar violações. A análise do perfil sanguíneo fornece alta sensibilidade e a detecção de novos e sofisticados métodos de doping (24). Em 2022, foram testados 31.246 atletas acompanhados por meio do Passaporte Biológico do Atleta (22).

EFEITOS PERIGOSOS DO DOPING

Para qualquer agente ou método de doping, mesmo com acompanhamento de profissional médico, é impossível dissociar os efeitos desejados dos efeitos prejudiciais à saúde. São vários os medicamentos disponíveis para terapia de doenças, que têm seu uso desviado para melhorar o desempenho de atletas. É curiosa e também perigosa uma prática comum de atletas, que iniciam no doping usando “apenas uma droga”, depois passam para a segunda, de maneira alternada ou simultânea, e seguem para a terceira, quarta etc. Há os casos de uso de drogas para bloquear ou minimizar os efeitos danosos de outras drogas ou para estimular as glândulas a retomar a produção (exemplo da gonadotrofina coriônica humana – HCG, hormônio feminino usado por atletas homens). E há os casos de tentativa de mascaramento do uso de uma droga usando outra para acelerar a eliminação (3). Esse tipo de prática tem a denominação de polifarmácia.

Alguns dos efeitos prejudiciais das drogas e métodos são (Tabela): Os (S1) esteroides anabolizantes androgênicos danificam as glândulas sexuais (testículos e ovários), o fígado (o câncer é uma possibilidade real) e afetam o sistema nervoso, causando agressividade e até mesmo a morte de neurônios (25-28). O (S2) hormônio do crescimento pode causar diabetes e crescimento anormal de órgãos (16). A insulina causa hipoglicemia, que pode levar à morte súbita. A (S2) eritropoietina também causa aumento da pressão sanguínea e risco de AVC e ataque cardíaco (16,29).

Os (S4) moduladores hormonais e metabólicos podem causar diferentes efeitos colaterais. No caso do tamoxifeno, pode causar boca seca, fadiga, náusea transitória e vômito (30,31). Os (S5) diuréticos podem causar desequilíbrio severo de água e minerais, diminuir o volume sanguíneo e baixar a pressão sanguínea (32). Os (S6) estimulantes podem causar insônia, constipação intestinal, aumento da frequência cardíaca e pressão sanguínea, bem como dependência psíquica, entre outros problemas (16,33).

A (M1) manipulação do sangue e componentes leva ao risco de contaminação com doenças, seja pelo próprio sangue ou pelo material utilizado nos procedimentos, bem como alteração do hematócrito e viscosidade do sangue (30). A (M2) manipulação química e física traz o risco de contaminação e, no caso de transportadores de oxigênio artificiais como os (HBOCs - hemoglobin-based oxygen carriers), pode causar hipertensão arterial (32). A (M3) manipulação genética pode resultar em respostas imunológicas e efeitos adversos de vetores virais, entre outras alterações (18).

Há atletas que se utilizam de substâncias dopantes, insistindo em ultrapassar os próprios limites, que de fato não podem ser superados mesmo com as drogas mais potentes. Estes atletas e os profissionais do esporte que fazem a indicação indevida desconsideram a genética, os limites fisiológicos e metabólicos, valores, ética e, até mesmo, efeitos colaterais perigosos que podem levar à morte, como acontece com indesejada frequência. Talvez se comportem dessa maneira porque pensem que estão tendo uma vantagem sobre seus concorrentes ou que o maior perigo seja apenas testar positivo e perderem suas medalhas e recordes.

Isso leva a desapontamentos e destruição de reputações construídas ao longo de anos de trabalho árduo. Talvez não haja caso mais exemplar do que o do ciclista americano Lance Armstrong, suas sete vitórias no Tour de France, seu sistema de doping, suas negações e posterior admissão de doping. Também leva a absurdos como o caso de um nadador de apenas 13 anos que testou positivo para o estimulante metilhexanamina em uma competição infantil realizada em 2013 (34).

O doping tem sido observado entre atletas profissionais, amadores e até mesmo entre praticantes que não competem. É provável que, se as organizações previrem em seus regulamentos e aplicarem punições mais severas a atletas e equipes que utilizam essas substâncias proibidas, os casos possam ser reduzidos. Outra opção seria banir o atleta e o treinador do esporte, talvez por meio de regulamentos mais rígidos, o que poderia talvez reduzir os escândalos de doping. No entanto, também é importante educar e conscientizar desde cedo, na vida competitiva dos atletas, talvez a partir da iniciação esportiva nas escolinhas e também na escola, nas aulas de Educação Física, ciências, biologia etc.

O PAPEL DOS TREINADORES

Faz parte da natureza humana buscar vantagens sobre os concorrentes e o esporte competitivo é o lugar para isso. Porém, o esporte também envolve disciplina, dedicação, esforço e sacrifício, características que podem ser resumidas em garra, virtude e força mental. Daí a contradição no uso do doping, que é percebido como fragilidade humana e falta de virtude e ética.

Os atletas e treinadores que defendem as regras dos esportes e estão de acordo com o controle e penalidades para os competidores flagrados em doping, devem assumir um compromisso mútuo de não utilizar e respeitar o princípio da igualdade, honestidade e da justiça entre os atletas. Na formação da iniciação e continuada dos treinadores, a temática do doping deve estar sempre presente, assim como as campanhas de conscientização nas competições, desde as escolinhas esportivas até as equipes de base e de atletas não profissionais. Jovens atletas de esportes com baixa ou alta prevalência do uso de drogas entre os profissionais devem ser muito bem orientados, pois é a fase na qual estão estabelecendo seus valores, e que também são mais suscetíveis ao caminho dos artifícios e desvirtude (35).

Interessante observar que há um discurso entre alguns atletas de nível mundial, nacional e até regional de que “todos os atletas usam doping”. Certamente, todo atleta que usa esse discurso, conscientemente ou não, para si mesmo ou para os outros, está querendo apresentar uma justificativa e desculpa para que ele “também use”, para “não ficar em suposta desvantagem” diante da concorrência. Ante tal disparate de discurso, é pertinente lembrar que o nadador norte-americano Michael Phelps passou por cinco ciclos olímpicos, ganhou 23 ouros, 3 pratas e 2 bronzes “sem doping”. O velocista jamaicano Usain Bolt passou por três ciclos olímpicos, ganhou 8 ouros “sem doping”. O remador britânico Steve Redgrave também passou por cinco ciclos olímpicos, ganhou 5 ouros e 1 bronze “sem doping”. A lista de campeões, bi-campeões, tri-campeões, medalhistas de prata e de bronze “limpos” é bem extensa. Verdade que alguns são flagrados e perdem a medalha e recorde, mas parecem ser exceções. Isso nos faz pensar que a afirmação “todos os atletas usam doping” se refere apenas àqueles que não treinam o suficiente, não se alimentam o suficiente, não se empenham o suficiente e nem usam drogas o suficiente, pois não estão chegando aos pódios dos Jogos Olímpicos e outras competições relevantes com muita frequência. Ou os que chegam são mestres no mascaramento do uso das substâncias proibidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Suspeitas de uso de doping pelos atletas vencedores sempre serão levantadas, assim como desculpas, justificativas e alegação de inocência sempre serão apresentadas pelos atletas flagrados nos testes. Além do controle e acompanhamento pela WADA e federações, é também importante a educação e reforço dos valores para os jovens atletas. Atletas e treinadores deveriam ter consciência, incorporar e praticar alguns preceitos: (a) O caminho até a vitória é longo e requer dedicação e disciplina. (b) As regras e valores do esporte devem ser cumpridos. (c) Princípios éticos, honestidade, igualdade e justiça entre os atletas devem ser respeitados. (d) A educação e a conscientização desde os mais jovens devem estar sempre presentes. (e) O uso de substâncias ou métodos proibidos implica riscos à saúde. (f) Há produtos de origem identificada ou desconhecida que contém componentes proibidos e a responsabilidade é sempre de quem os consome. (g) Não importa quem usa e quantos usam, o doping não é tolerado. (h) Teste positivo para doping implica consequências punitivas e desonra para o atleta, equipe, família e país.

REFERÊNCIAS

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NOTAS


(a)ILUSTRAÇÕES DO ARTIGO (exceto quando indicado de outra forma): © Jair Rodrigues Garcia Júnior.


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